quarta-feira, 10 de junho de 2015

GRANDE SERTÃO:VEREDAS - Anotações de leitura.



Não...não é livro de leitura fácil e muito menos de fácil compreensão. O romance de João Guimarães Rosa é o que se costuma dizer; “uma pedreira”.
Estas anotações de leitura se basearam na edição de 2012 da Editora Nova Fronteira que é constituída por 608 páginas.
O livro, único romance de Rosa, é muito mais comentado do que entendido. É muito mais comprado do que lido, e, entre os que tentam a leitura, o articulista ousa palpitar, há uma desistência de no mínimo noventa por cento antes que se atinjam as primeiras trinta páginas do livro.
O leitor, não iniciado na obra Roseana, começa a leitura animado e com o máximo de boa vontade, mas depois de muito esforço e desconforto para vencer dez ou quinze páginas, desiste frustrado, envergonhado, duvidando do nível cultural que até então entendia ter, ficando-lhe uma espécie de culpa, uma meia vergonha que, raramente confessa, por não ter conseguido ler
“Grande Sertão:Veredas”.
Entendo que a leitura do romance deve ser diferenciada. Não basta fazer uma simples leitura, é necessário um estudo do autor. Há regras básicas e preliminares que precisam ser seguidas. “Grande Sertão: Veredas” se tornará de leitura menos difícil, se o pretendente a leitura do romance, começar, primeiro, lendo as obras iniciais de Rosa, entre as quais, destaco os livro “Sagarana”, “Corpo de Baile I” e “Primeiras histórias”. Sugiro mais...em “Sagarana” começar com “A hora e vez de Augusto Matraga” e “Duelo”. No “Corpo de Baile”, iniciar com “Campo Geral” que é a história de Miguilim. Em “Primeiras histórias”, começar com “Os irmãos Dagobé” e “O famigerado”. Penso que facilitaria muito o empreendimento maior; a leitura do imortal romance.
Em “Grande Sertão: Veredas”, a história não é contada de maneira linear. A leitura do livro não segue nem respeita a sequência do passar do tempo. O romance, também, não é dividido em capítulos, o que torna a leitura, no meu entender, mais difícil. Pode-se perguntar: Valerá a pena tanto esforço para conhecer o universo Roseano? Penso que sim. “Grande Sertão: Veredas” é um livro único. Acredito que nunca mais se escreverá algo semelhante, como também acredito que “Grande Sertão:Veredas” é uma obra para todo o sempre.
ANOTAÇÕES SOBRE O ROMANCE
Inicia-se com Riobaldo já idoso, casado com Otacilia, morando na fazenda São Gregório,  que herdou de seu “padrinho”, que na verdade era o seu pai. No entorno de sua fazenda reuniu, na condição de amigos e meeiros, alguns dos companheiros, jagunços como ele nos tempos da mocidade. Riobaldo está recebendo visita ilustre, possivelmente do autor do livro, que esta em viagem para conhecer o Sertão. Entende que o visitante chegou tarde, que o sertão já não é mais o Sertão e começa a falar do Sertão do seu tempo, contando, de forma desordenada, passagens da sua vida. É isto, em síntese, o romance
Deixa-nos, patenteado,de cara, uma das suas grandes dúvidas; a existência ou não do diabo e volta e meia questiona o seu interlocutor(que não se pronuncia, apenas escuta) sobre o assunto. Registra, também, amizade feita,  quando havia abandonado a jagunçagem; trata-se do seu compadre Quelemém, que mora um pouco mais distante, é kardecista e seu mentor espiritual. Por fim, fala de Reinaldo (Diadorim), por quem sentia uma atração amorosa muito grande, coisa que homem macho só pode sentir por mulher e que escondia e contra a qual lutava desesperadamente.
O INÍCIO DA NARRATIVA
Começa a narrativa da sua vida, pelo meio da sua história, quando, sob a chefia de Medeiro Vaz, o bando tentam surpreender Hermógenes, antigo companheiro que, revoltado, vinga-se  assassinando o chefe de todos, Joca Ramiro. Medeiro Vaz, antes de alcançar o seu objetivo,já envelhecido e doente morre. Riobaldo recusa a indicação dos seus amigos para ser o sucessor na chefia. Quando menos se espera, torna a aparecer Zé Bebelo, com mais alguns homens que, sabendo da empreitada de Medeiros Vaz, volta ao bando para participar da vingança contra Hermógenes, e, diante da recusa de Riobaldo, assume a chefia do bando.
Riobaldo faz, então, digressão na narrativa e lembra, a sua meninice pobre, até os14 anos, junto da mãe. Narra seu encontro com o Reinaldo, menino da sua idade, porém rico e de seu passeio com Reinaldo, de canoa, nas águas do São Francisco. Fala da morte de sua mãe e do seu envio para a Fazenda São Gregório do seu padrinho Selorico Mendes. No dizer de Riobaldo, “a minha vida mudou para uma segunda parte”. Na fazenda do Padrinho recebe fino trato e é mandado (era analfabeto) para estudar na cidade. Anos depois, estudos concluídos, é convidado para dar aulas a meninos de uma fazenda e se apresenta como professor na fazenda de Zé Bebelo. Ao chegar lá, constata não haver crianças. Era uma fazenda de treinamento militar para combater e exterminar os jagunços do Sertão. Riobaldo se torna professor de Zé Bebelo, o chefe, que era analfabeto e queria, com a façanha de derrotar os jagunços, candidatar-se e eleger-se deputado.  
Depois de algum tempo, já tendo tomado afeição e admiração por Zé Bebelo, aceita convite para participar da tropa comandada por Zé Bebelo que vai partir para acabar com a jagunçada no Sertão. Com Zé Bebelo presencia o ataque aos jagunços de Hermógenes que fogem após muitas baixas. Posteriormente não apenas presencia, mas participa  do ataque aos jagunços de Ricardão que, também conseguem fugir. . Desgostoso com a matança que considera inútil dos jagunços, resolve abandonar o “exército” de Zé Bebelo e sai pelo Sertão, sozinho, sem destino certo.
A ENTRADA NO GRUPO DE JOCA RAMIRO
Em estalagem encontra com alguns jagunços de Joca Ramiro e entre eles reconhece Reinaldo, o menino que conheceu aos 14 anos. A amizade entre os dois se reativa e Reinaldo leva Riobaldo para os comandados do bando de Joca Ramiro. O primeiro contato é com o grupo de Hermógenes,que já vira ser posto para correr por Zé Bebelo e, por quem, de imediato, nutre um mal querer. Enquanto aguardam a chegada do chefe maior, o chefe de todos, Joca Ramiro, vai conhecendo os outros chefes de grupos. Conhece a turma de Ricardão, outro que ele  ajudou Zé Bebelo botar para correr. Conhece, também, os homens de Sô Candelário e de Medeiro Vaz entre outros. Durante este período fica-lhe, cada vez mais claro o seu bem querer por Reinaldo. Neste período conhece Otacilia com quem se compromete e, la na frente, quando já havia abandonado a jagunçada, torna-se sua esposa.
A GUERRA CONTRA ZÉ BEBELO
Começa a combater, sob a liderança de Hermógenes, o grupo de Zé Bebelo. Depois, passa para o comando de Sô Candelario e participa da ação que derrota e prende Zé Bebelo que é levado a julgamento sob a liderança de Joca Ramiro. Hermógenes e Ricardão votam pela morte de Zé Bebelo e são votos vencidos, o que deixa Hermógenes muito aborrecido. Zé Bebelo é libertado sob a condição de ir para Goiás e não voltar mais para a Bahia até contra ordem ou morte de Joca Ramiro. Terminada a guerra, o grupo de mais de 500 jagunços se divide com seus respectivos chefes. Hermógenes e Ricardão seguem com Joca Ramiro. Riobaldo e Reinaldo ficam no grupo de Titão Passos.
A MORTE DE JOCA RAMIRO
Passam-se dois meses e chega notícia da morte de Joca Ramiro, assassinado em emboscada, com tiro nas costas por Hermógenes que guardou mágoa, contrariado com o julgamento de Zé Bebelo.
Todos os grupos, se dirigem para o encontro com Sô Candelário e seus trezentos jagunços. O grupo já está reunido, faltando apenas Medeiro Vaz que estava muito distante, quando cai em emboscada da polícia que veio para vingar a prisão de Zé Bebelo. Após muita lutas e recuos, os jagunços, decidem mandar um grupo para encontrar Medeiros Vaz que ficara encarregado de vingar Joca Ramiro enquanto o grosso da tropa fica combatendo a polícia. Entre os que vão ao encontro de Medeiro Vaz estão Riobaldo e Reinaldo. É neste ponto, como já vimos, que o romance “Grande Sertão, Veredas” se inicia.
Medeiro Vaz parte em busca de Hermógenes para vingar a morte de Joca Ramiro.  Já envelhecido e adoentado, morre no caminho. Reaparece, então, Zé Bebelo que, alforriado pela morte de Joca Ramiro, sem mais o sonho de se tornar deputado, volta para ajudar a vingar a morte de Joca Ramiro e assume a chefia no lugar do falecido Medeiros Vaz.
NOVAMENTE AO LADO DE ZÉ BEBELO
Percebendo a tropa exaurida, Zé Bebelo resolve dar descanso em casa grande de fazenda abandonada e lá, sem esperar, são cercados pelos jagunços de Hermógenes e Ricardão. Em desvantagens perdem muitos homens. Zé Bebelo utiliza estratégia de mandar bilhete assinado por ele, informando a presença ali de grande agrupamento de jagunço, ao promotor e ao delegado. Riobaldo desconfia de traição. Quando os militares chegam pegam, de surpresa os do Hérmógenes e Ricardão pela retaguarda o que dá a oportunidade a Zé Bebelo e seus homens escaparem, rastejando, durante a noite. A estratégia armada por Zé Bebelo havia dado certo. Mais pra frente conseguem montaria e seguem procurando por lugar onde consigam arreios e munição.  Riobaldo entende que Hermógenes, para escapar sempre, só pode ter pacto com o diabo e que para derrota-lo ele precisa, também, fazer o pacto.Vai, sozinho, à meia noite para o meio do mato e invoca o diabo para o pacto. A partir de então a personalidade de Riobaldo sofre grande transformação a ponto de leva-lo a desafiar Zé Bebelo, seu ídolo, para poder ser o novo chefe do bando. Zé Bebelo entrega a chefia e se retira do grupo que, agora sob a chefia de Riobaldo, vai em direção à fazenda onde estão os parentes de Hermógenes, para atraí-lo e concretizar a vingança de Joca Ramiro.
Diadorim percebe e fala com Riobaldo que ele parece estar com o Diabo no corpo. Riobaldo se sente poderoso e não quer saber de ouvir mais a ninguém, só faz o que sua cabeça manda. Reinaldo antes de se afastar, diz a Riobaldo que quando eles consumarem a vingança, vai lhe contar um grande segredo, o maior de sua vida.
O bando de Riobaldo atinge de surpresa a fazenda de Hermógenes, mata os jagunços ali presentes, aprisiona a  esposa de Hermógenes e passa a se preparar, sabendo que o “Judas” virá para tentar salvá-la, para a grande e derradeira batalha.  Hermógenes vem e batalha sangrenta se dá. Reinaldo se ataca com Hermógenes em briga de faca. A luta é mortal para os dois. Ao lavar o corpo de Reinaldo,que ficou muito sujo de sangue pelas facadas sofridas, Riobaldo fica sabendo que Reinaldo, na verdade era uma mulher, que fora criada por seu pai como homem, para melhor protegê-la. Curte luto pela dupla perda; a do amor que imaginava impossível e a morte de Reinaldo. Recebe notícias do falecimento de seu pai e da herança que lhe deixou; duas fazendas. Abandona a vida de jagunço, leva alguns com ele e vai se instalar em uma das fazenda herdadas de seu pai. Casa-se com Otacília, conhece Seu Quelemém e, já velho, recebe a visita “de homem ilustre” que é como se inicia o romance.






segunda-feira, 8 de setembro de 2014

CABO ELEITORAL

                                                                            
No vagão de segunda, no banco de madeira, lutava contra o sono. Temia o roubo da mala. Nela as roupas e o dinheiro que tinham. Ao seu lado, a mãe dormia. Nem o apito da máquina, nem o sacolejar do vagão pareciam perturbar o sono de Dona Gigida.
Melhor assim. Desligava-se daquela desgraceira toda. Foi sorte o padrinho ter sabido e corrido para lhe dar a notícia. Arrumou a mala, pegou a mãe, o dinheiro e embarcou no primeiro trem. Medo que corresse mais sangue. O dele, o da mãe e o dos irmãos.  A morte do pai poderia ser só o início da vingança. Quem sabe o que passava na cabeça dos filhos do vereador. Gente violenta de façanhas reconhecidas em toda a região. Brigavam entre eles mesmos. Um irmão já matara o outro por discussão besta, em plena mesa do almoço. Os quatro malucos já podiam estar atrás dele. Não ia ficar aguardando para ser morto, para ver a mãe morta. Fizera o que era certo. Sorte também estar na hora da partida do trem. Política é só problema. Não fosse por ela o pai não teria matado, não estaria morto. Fizera bem em fugir no trem. Já haviam feito três baldeações. Pouco provável que alguém seguir, com êxito, seu rastro. Agora, já com dois dias afastado de Santa Madalena, o coração não mais o oprimia, não sentia o peso da ameaça. Fizera bem. Lá não poderia continuar. Acabaria sendo morto. Os do Silva não brincavam no serviço. O cheiro da vingança estava no ar. Não se limitariam ao pai. Matariam ele, a mãe e os irmãos. Tocaia ou provocação.
         Nunca conseguira entender aquela paixão do pai pela política. Uma trabalheira de louco a troco de nada. Em época de eleição sumia de casa por quase três meses. –“Sou cabo eleitoral”, dizia. Largava tudo: a horta, as galinha, e os porcos. Só voltava tarde da noite. Cedo, caía fora. O que ganhava? Nada. O terno único, ainda era o do casamento. Cedo ia de casa em casa anunciar o comício da noite. Distribuía os “santinhos” e estufava o peito para dizer: -“Sou cabo eleitoral”.
 Em casa as panelas vazias, a mãe no tanque ralando para pagar o aluguel.  Nestas épocas Walter trabalhava ainda mais. Acordava, cuidava da horta e da criação, varria o quintal e ia para a rua revirar latas de lixo procurando resto de comida para dar para os porcos. Depois ia a cidade vender verduras e ovos que nunca podia comer. Sete quilômetros percorridos a pé.
Não se lembrava de ter brincado, de ter tido um único amigo. De brinquedo só a bola de meia. Esta ia onde ele fosse. Fora a bola, trabalho e barriga doendo. Fome. A mãe se matando no tanque e o pai cabalando votos nos botequins.
                                                   (Foto - Jardim do Paço Episcopal - Castelo Branco - Portugal)

Quando o padrinho trouxe a notícia só pensou em cair fora. O pai, esbofeteado, revidou com uma canivetada. Debaixo da mama, bem no coração . Foi fatal. O velho Silva não pode nem ser socorrido. O pai foi levado para a delegacia. Em minutos os filhos invadiram a delegacia. Fuzilaram o pai. Foi o que o padrinho contou. Não adiantava querer saber mais nada. Pegou a mãe e tratou de ganhar mundo. O padrinho, homem de posse, deu-lhe algum dinheiro. Não recusou. Não podia. Agradeceu e disse que tomava como um empréstimo. O padrinho saiu de lá para avisar aos seus irmãos. Os dois, se tiverem juízo, também deverão cair fora.
         A mãe não derramou uma única lágrima. Nada questionou. Arrumou a mala em silêncio. Certamente entendia a gravidade do momento. Sabia que não havia alternativa. Ficar era esperar a morte. O filho Walter, sempre fora sua verdadeira companhia. Devia saber o que estava fazendo. Sempre muito correto. Pena não ter podido completar os estudos. O pouco que sabia fora ela que lhe ensinara. Inteligência não lhe faltava. Nas revistas velhas aprendeu a ler, decifrando as palavras. Se tivesse tido chance ia longe. Quando foi servir o exército aprendeu a cortar cabelos e a dirigir. Lia e escrevia. Já o marido, um grande trapalhão! Tanto procurou que encontrou. Os do Silva eram muito violentos. Sabiam da impunidade. Sentiam-se os donos da cidade. Ninguém ousava censura-los.
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-“Barra do Piraí... passageiros com destino a Barra do Piraí... estação de Barra do Piraí dentro de dez minutos”. O grito do bilheteiro acordou a mãe.
-“Walter... estamos chegando”?
Olhou para a mãe e sorriu. Segurou sua mão e falou:
-“Está cansada, não é mãe? É uma tal de Barra do Piraí. O que você acha?
A mãe devolveu-lhe o sorriso e disse: -“É um nome bonito... Barra do Piraí! Quem sabe aqui vamos ter sossego! O que você acha”?
         Aquilo lhe pareceu um bom presságio. A mãe ter acordado logo ali. Podia ser coisa de Deus. A mãe achara Barra do Piraí um nome bonito. Ali, ninguém pensaria em procurá-los. Não tinha mesmo um destino certo. A última passagem comprada foi para Volta Redonda. Quem sabe Barra do Piraí? Chamou o bilheteiro.
- “Chefe...minha passagem é para Volta Redonda”
- “Volta Redonda? Trinta minutos depois de Barra do Piraí”.
         Perto, pensou. Se vier a se arrepender mais tarde continua a viagem. Alguma coisa lhe dizia para saltar em Barra do Piraí. A escolha por Volta Redonda fora em função da siderúrgica. Lá poderia conseguir emprego com mais facilidade. Barra do Piraí... quem sabe?
- “Mãe... vamos descer em Barra do Piraí”?
A mãe sorriu e balançou a cabeça afirmativamente. Walter olhou para a mãe e também sorriu. Beijou-a na testa.
- “Então Barra do Piraí é o nosso destino”.
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Quando o padrinho emprestou o dinheiro, perguntou-lhe o destino. Não soube responder. Saíra sem saber para onde. Sabia apenas que em Santa Madalena não mais poderia ficar. O grito do bilheteiro decidiu por ele:
- Barra do Piraí... próxima parada Barra do Piraí.
Já fora da estação constatou que a rua era movimentada e cheia de hotéis. Pareciam-lhe hotéis simples, de preços bons. Um dia de descanso faria bem para os dois. Consultou Dona Gigida que aceitou a sugestão. O quarto onde ficaram era o 204. Por sugestão da mãe resolveu fazer uma “fezinha” na centena. Acomodou a mãe na cama, tomou um banho e foi conhecer a cidade. Quase ao lado do hotel, um ponto de bicho. Jogou no número do quarto. Caminhou, informou-se e foi a uma imobiliária. Abriu o jogo com o atendente. Precisava de uma casa pequena, ele e a mãe e de aluguel barato. Podia ser coisa simples pois não estavam acostumados com luxo.
-Acho que o senhor deu sorte. Tenho uma casa modesta de sala, dois quartos, cozinha e banheiro. E ainda tem um quintal. É uma casa bem antiga, mas está em bom estado. O problema é que é afastada, bem afastada, mas o preço é convidativo.
 Viu a foto da casa. Simpatizou com ela.
- Há ainda um outro problema...o antigo morador era barbeiro. Abandonou a casa sem pagar três meses de aluguel. Deixou na sala, que usava como barbearia, uma cadeira de barbeiro. Coisa pesada, não deu para ele carregar na fuga.
Walter conteve-se para não demonstrar sua alegria. Sabia cortar cabelos. Aprendera no exército. A cadeira de barbeiro, para ele, não seria problema e sim solução. Não precisaria procurar emprego, sair de casa diariamente para trabalhar e deixar a mãe sozinha. Iria reabrir a barbearia o que lhe permitiria ficar ao lado da mãe, fazer economia e não ter patrão. Poderia trabalhar nos domingos, nos feriados.  Pediu ao homem da imobiliária uma reserva provisória, pois iria falar com a mãe e, se ela aprovasse, iriam ver a casa. Saiu dizendo que retornaria no final da tarde. Deu mais uma volta pela cidade e concluiu que estavam no centro comercial. Em um guardanapo de papel fez um croquis do centro da cidade e marcou os lugares que visitou: as praças, a igreja, a rodoviária, a câmara dos vereadores, os bancos a biblioteca, a prefeitura, as pontes dos dois rios que cortam a cidade. Sentindo-se familiarizado com os principais pontos da cidade, voltou ao hotel. A mãe já havia despertado. Contou-lhe, com entusiasmo da casa. Dona Gigida considerou a casa um achado. No quintal, iria criar galinhas. Viu na ideia da barbearia uma possibilidade muito boa. Perguntou-lhe pelo resultado do jogo do bicho. Walter havia se esquecido, com o entusiasmo da casa encontrada, de pegar o resultado. Disse à mãe que ia verificar, desceu e foi ao ponto do bicho. Surpreendeu-se com o envelope que o bicheiro já havia deixado pronto, esperando por ele. Havia acertado a centena na cabeça. No envelope o equivalente a cinco salários mínimos. Mais do que eles haviam trazido na viagem. Guardou o envelope no bolso e, temeroso, voltou para o quarto do hotel. Entrou e sorrindo disse:
- Mãezinha, seu palpite estava certo. Você ganhou.
Deu-lhe o envelope: - Conte. É muito dinheiro. Guarde. Vai ser a nossa reserva. Pode ser que ainda venhamos a precisar.
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         Naquele terceiro sábado de barbearia aberta, batera o seu recorde. Cortou onze cabelos e fez cinco barbas. Já ia fechar quando entraram mais dois clientes. Sorriu feliz, ofereceu, com gesto amigável, a cadeira. Um deles sentou-se. O outro ficou nas cadeiras dos que aguardam e informou:
- Não vou cortar. Estou apenas de companhia.
Walter acomodou o cliente na cadeira, colocou-lhe o avental branco  e indagou:
– Qual o corte?
O cliente, encoberto pelo avental, mexeu com as mãos e, por baixo do avental, apertou o gatilho. Disparou dois tiros no peito do barbeiro. Walter, com o impacto das balas, foi jogado para traz. O homem, sem pressa, levantou-se da cadeira, jogou o avental para o lado  e, quase a queima roupa, deu mais três tiros no rosto do barbeiro. Embora com algum atraso, estava se colocando uma “pá de cal” na tragédia de Santa Madalena.

                                         (Foto - Jardim do Paço Episcopal - Castelo Branco - Portugal) 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A QUEDA DO AVIÃO


Foi tudo muito tumultuado e demorado, inclusive a queima de fogos. Amigos e correligionários, na base aérea de Guarujá, preocupados com a demora, tentavam comunicação. Os celulares não respondiam. De repente, a queima-roupa, a notícia na televisão marcou, definitivamente, no final da manhã chuvosa, a quarta feira, 13 de agosto. 

Imagens, confusas e fragmentadas, não comprovavam nada. Em nenhuma o avião caído, os corpos dos sobreviventes. Um terreno vazio levou alguém a falar no espírito humanitário do piloto. As primeiras explicações vieram com os moradores do bairro do Boqueirão em Santos. Uma disse ter visto o avião em chamas. Outro, o avião passando de lado entre dois prédios. Alguém falou em meteoro, pensou que já era o fim do mundo. Todos falaram em uma grande explosão. A aeronave havia se fragmentado. Com os corpos o fenômeno foi mais severo; fragmentações humanas foram encontrados a mais de um quilômetro do local da queda.
Cinquenta legistas isolados e em tempo integral, com uma missão impossível. Com grandes expectativas televisivas, anunciaram ingênuas radiografias dentárias. Era preciso mais, muito mais. Talvez Deus ou então cerrar os olhos para que se pudessem fechar os caixões. Eram sete. A política tinha pressa. Recife queria os corpos, precisava do velório, queria fazer o sepultamento. Lacraram os caixões.
Do alto, a visão do cortejo, lembrava os gigantescos blocos carnavalescos que, nas quartas, encerram os carnavais de Recife. 


Parecia, tanta gente junta e tantos políticos, um comício. As vaias dadas a um deles mostravam o outro lado da moeda. No meio da tragédia o poder estava em jogo.
Tão forte como a comoção, próxima aos familiares, a presença frágil da mulher que lembra Gandhi e que, predestinada, como fora em toda a sua vida, renascia naquela tragédia.


O foguetório parecia não acabar, e enganava a todos com falsas pequenas paradas, fazendo com que os aplausos, última homenagem antes da descida do caixão, se repetissem em série e atrasassem o ponto final de uma tragédia que já demorara tanto e que parecia não querer mais ter fim.
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O tempo estava fechado. Chovia e o vento não era favorável ao pouso. A aeronave, entretanto era uma máquina moderna, tinha pilotos experientes e não teria problemas. Descontração total, preocupação nenhuma. O avião é pequeno e estreito. Os bancos ficam enfileirados dois a dois com um corredor de acesso entre eles. A aproximação é muito forte. Os passageiros conversavam animadamente curtindo o sucesso das entrevistas dadas, na véspera, na televisão. Eram quatro além do candidato. Já haviam afivelado os cintos de segurança quando ouviram a voz do piloto:
- “Não vai dar para fazer o pouso. Vou arremeter e reiniciar os preparativos para uma segunda tentativa”.
O copiloto, até então tranquilo, aprumou-se e ficou em uma espécie de emergência. Não notou que seu companheiro, naquele exato momento, havia tombado a cabeça, para frente e para o lado esquerdo. Percebeu, então, que o avião, ao invés de subir, estava imbicado, em alta velocidade, aproximando-se do chão. Olhou para o companheiro e só então o viu com a cabeça tombada. Constatou, então, que o piloto estava inconsciente, a aeronave estava à deriva. O copiloto viu os dois prédios e, instintivamente, inclinou o avião. Após passar com sucesso pelos dois prédios, o avião projetou-se, de bico, no único terreno vazio na área residencial.
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Ronaldo deu por encerradas a sua fala e a sua caminhada. Considerou que havia descrito, razoavelmente bem, o que achava que havia acontecido. Já havia completado suas oito voltas. Durante quase todo o tempo falaram na queda do avião. Tinha um encontro, no bar do clube, marcado com "Claudionor". Não podia faltar.

Nestor que o acompanhara na caminhada dominical, naquela manhã ensolarada, cheia de vida, decidiu parar também, mas antes se posicionou:

- É possível, tudo é possível. Já ouvi falar em atentado, em bomba, até em tiro derrubando o avião. Alguns moradores garantiram que, antes de cair, o avião já vinha pegando fogo. Vai ser mais um caso sem solução.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

BODAS DE PRATA

                                                                                                        Para mim, dúvida nenhuma; Pedro foi o responsável pelos vinte e cinco anos do casamento de Emília. Quando a viu pela primeira vez, há doze anos, intuiu que ela não era feliz. Era um caso de desamor. Encasquetou que ia fazer por ela o que achava que marido não estava conseguido fazer. Montou uma verdadeira campana para observar-lhe hábitos e costumes e começou a agir, marcando presença, procurando fazer com que ela o percebesse. Arquitetou coisas diversas. Uma delas, a primeira, ir ao colégio no horário em que ela apanhava o filho. Cruzavam-se sem ao menos um cumprimento, mas Pedro procurava-lhe os olhos com olhar de “vem que eu quero”. Não demorou que Emília percebesse o assédio. Correspondeu, discretamente, apenas com os olhos , rápida e furtivamente, de modo que só Pedro percebesse. Nenhum cumprimento, nenhuma mesura, nem um único mexer de cabeça. Apenas o olhar e por fração de segundo. Deve ter pensado: 
-“Que mal haverá? Nada mais que uma brincadeira”.
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Pedro procurou inteirar-se de tudo. O que começou com o horário em que ia buscar o filho na escola, repetiu-se com a ida ao supermercado, a padaria, a pracinha, ao clube. Sempre que possível estava presente e sentia que a sua presença provocava uma espécie de choque na, desde que se casara, contida Emília. Um trâmite bom, uma novidade nos dez anos de casamento mal digeridos. Sua intervenção era sempre curta, no máximo cinco minutos. Simulava estar procurando por alguém que nunca encontrava. Eventualmente falava com um conhecido e partia. Não antes de haver olhado nos olhos dela, com aquele seu olhar  de zelador. Emília, por sua vez, já decodificara as frequentes e rápidas aparições e, também com os olhos, parecia responder:
-“Quero, mas não posso”.
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Outra medida que tomou foi aproximar-se do marido, e o fez quase que com a mesma intensidade utilizada no assédio a Emília. Na primeira conversa, confirmou-se a sua suposição: quase um fronteiriço. Dava-lhe corda, mostrava interesse em suas conversas quase sempre despropositadas e pueris. Foi muito bem aceito. Com o passar do tempo o relacionamento foi se estreitando.
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Emília casara-se aos trinta. Antes, tivera experiências com diversos homens. Nenhuma foi para frente. Luiz Carlos amigo de infância, frequentador das mesmas rodas, sempre fora uma espécie de estepe. A melhor companhia possível. Ótimo para acompanhá-la as festas onde, em poucos minutos, ela poderia desaparecer por algum tempo, mas, ao voltar, sabia que o encontraria, sem nenhum questionamento. Na verdade, usava-o, nada mais do que isso. Dos quinze, quando conheceu Emília, até os seus trinta e três anos, Luiz Carlos assistiu a um desfile diversificado de namorado de Emília. Mulher de muitos homens. Introvertido, nunca se soube que tenha tido alguma namorada. Parecia saber que, um dia, Emília iria descobri-lo. Aguardou com toda a paciência do mundo. Foi exatamente o que aconteceu. Ao completar trinta anos, Emília assustou-se. As amigas, todas, já casadas. Olhou para frente e para os lados e só encontrou Luiz Carlos. Sabia que ele faria o que ela quisesse. Iniciou um namoro que em três meses transformou-se em noivado e, em mais dois em casamento. Luiz Carlos, feliz com aquela efervescência, realização de anseio acobertado de todos, colaborou da melhor maneira que pode. Alugou apartamento, comprou mobília e foi ser feliz com a sua Emília.
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Foi no quinto ano do casamento que veio a primeira novidade. Emília estava grávida. Quando nasceu, e foi parto normal, Luiz Carlos saiu gritando nas ruas do bairro: 
- “É homem, meu filho é homem”.
Emília teria dado preferência a uma filha. Foi sempre, apesar dessa pequena e enrustida frustração, uma mãe exemplar, como poucas. Quando fez a festinha de aniversário de cinco anos de seu filho, estava completando dez da casada, prestes a entrar na perigosíssima faixa dos quarenta anos. Dias depois, sem mais nem menos, acordou com a certeza de que não dava mais,  não conseguiria mais viver com seu marido. Estava desistindo. Não conseguira mudá-lo, fazer dele uma pessoa da qual, se não pudesse se envaidecer, pelo menos não se envergonhar. Estava convencida de que era um caso perdido. Foi nesta situação que surgiu Pedro. Habilidoso, inteligente e sedutor, conduziu, com facilidade, quem estava pronta e querendo ser conduzida. A troca de olhares evoluiu para cumprimentos. A principio apenas movimentos de cabeça. Posteriormente os “bom dia” e “boa tarde” evoluíram para “olá”, “como vai”, até que um dia, em um supermercado, conversaram pela primeira vez. A conversa fluiu fácil. Dias depois, na pracinha, sentada em um dos bancos vendo o filho brincar, viu Pedro aproximando-se. Sorriu e acenou-lhe. Pedro sentou-se ao seu lado e, sorrindo,  com os olhos fixos no de Emília, disse-lhe que gostaria de ter o seu telefone. Emília, também sorrindo, deu-lhe o telefone. Sentiram-se, a partir daquela violação, rejuvenescidos, quase dois adolescentes.
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Faltou dizer que Pedro era dez anos mais velho do que Emília. Era advogado, mas, embora culto, não fizera grande clientela e nem enriquecera. Seu casamento foi desfeito com menos de três anos . Não tiveram filhos. A ex-mulher casara-se novamente e morava no exterior. Desfeito o casamento, Pedro voltou a morar na casa dos pais.
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A aproximação, de início forçada com Luiz Carlos, tornou-se coisa natural. Cruzando na rua paravam para um bate papo. Às vezes a iniciativa era de Luiz Carlos. Em várias oportunidades tomaram chope juntos. A aproximação com o marido dava a Pedro uma certa satisfação. Já não era mais apenas pela possibilidade da facilitação, era um forte prazer estar conversando com o marido da mulher que estava paquerando e sabia, como certo, iria possuir.
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Pedro era, sempre, quem ligava para Emília. Dia e hora estabelecidos. Conversavam demoradamente. Falavam sobre tudo; literatura, política, cinema mas, sobretudo, falavam sobre eles. Decidiram, e foi quase decisão conjunta, que precisavam mais do que falar, que precisariam estar juntos em lugar isolado. Pedro foi incisivo; deveriam ir a um motel. O horário ideal seria pela manhã, aproveitariam e almoçariam lá. Emília adorou a ideia, prometeu organizar-se o mais rápido e marcar o dia. Foi em uma quarta feira o primeiro encontro. Eram dez horas quando estavam entrando no motel. Emília era mulher experiente e não queria perder tempo. Sabia que se arriscava e precisava que o encontro justificasse o risco. Antes de almoçarem já tinha levado Pedro ao orgasmo por duas vezes. Era  mulher sem nenhum preconceito. Tomava a iniciativa, propunha tudo e queria tudo. Cinco horas depois estavam saindo. Pedro inteiramente saciado mas com a frustração pela certeza de que não havia levado Emília ao orgasmo. Ela subira nas paredes, transara como gente grande, mas, orgasmo, com certeza ela não tivera.
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Pedro consolidou a amizade com Luiz Carlos e com isso, fatalmente, facilitou a aproximação com Emília. Quando  encontrou o casal em um restaurante, não teve escrúpulo. Foi cumprimenta-los. Emília ficou meia atordoada. Luis Carlos fez o convite prontamente aceito:
-“ Sente-se. Estou tomando cerveja. Você toma uma?”
Ficaram bebericando por mais de duas horas. Saíram juntos do restaurante. Pedro fez questão de acompanha-los até o local onde Luis Carlos havia estacionado o carro.
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Durante cinco anos, mantiveram o romance em sua plenitude, com os telefonemas e as idas aos motéis, sempre que possível. Coisa discreta, tão discreta que não levara a comentário de ninguém. Uma única coisa estava, na visão de Pedro, fora de esquadro. Emília não gozava. Questionou-a certa ocasião. Emília desconversou. Diante da insistência argumentou: -“Cada mulher goza de um jeito. Não são todas que, como você diz, dão uma tremida e praticamente desmaiam.”
Na volta do motel, no carro, Emília, sem mais nem menos, falou:
-“Tenho certeza de que você é o homem da minha vida. Foi uma pena não termos nos conhecido mais cedo, mas é você. Você é definitivo. Daqui pra frente vamos transar sem camisinha. Quero um filho seu e vai ser uma menina”. Pedro assustou-se. Disse-lhe que não estavam em idade de ter filhos. Ela com mais de quarenta e ele com mais de cinquenta. Seria uma gestação de risco.
-“É um problema que teremos de encarar. De risco é, também, o nosso relacionamento”.
Mas temos outro problema contra, argumentou Pedro. O seu filho é a cara do seu marido. A sua genética não predominou. Você e seu marido são longilíneos. Sou um homem de  estatura mediana, atarracado, de cara quadrada. Sou um típico nordestino. Há três gerações minha família apresenta essas minhas sardas . Imagine nossa filha baixa, de rosto quadrado e cheia de sardas. Como iriamos explicar? O que pensariam Luiz Carlos e todos os demais?
Pedro calou-se. Achou que tinha dado o seu recado. Um silêncio denso e angustiante tomou conta do carro. Pouco mais de um minuto depois, Emília perguntou:
-“Você vai me negar isso”?
Pedro foi firme. Disse que filho estava fora de cogitação. Em hipótese nenhuma.
Emília nada respondeu. Quando passaram perto de um posto de gasolina, determinada, ordenou:
 -“Pare que eu vou descer aqui”.
Pedro obedeceu. Emília desceu e Pedro seguiu. Sabia que, naquele momento, o caso havia chegado ao fim. A principio ficou aturdido, depois, mais tarde, até gostou Acabou achando que havia saído barato. Aquela história de filho era uma loucura e aquele romance já estava demorando muito. Foi um bom final. Ela que acabara. Faz bem para o ego das mulheres. Certamente, não lhe traria maiores problemas.
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Foi quase um ano depois dessa ruptura, que se consolidou e se tornou definitiva, que entrei na história. Vale ressaltar que, assim como Pedro é dez anos mais velho do que Emília, sou dez anos mais velho do que Pedro. Telefonou-me e disse que precisava falar-me. Fomos para um barzinho afastado, em mesa isolada no mezanino e Pedro, para grande espanto meu,  contou-me esta história que até eu, talvez o seu mais chegado amigo, desconhecia. Contou-me com os detalhes já narrados e fez uma pausa quando chegou ao momento em que romperam. Respirou fundo e prosseguiu:
-A partir daquele dia, fiz o caminho inverso. Passei a não ir mais a lugar nenhum onde pudesse encontrar Emília. Durante todo esses dez meses não nos cruzamos, frente a frente, uma única vez. Creio que ela também tenha tomado decisão semelhante, caso contrário não teríamos tanto êxito nos desencontros. Hoje, pela manhã, fiquei sabendo, acidentalmente, em conversa de terceiros, que ela está grávida e está muito feliz. Que o exame já revelou que é uma menina. Esta notícia mexeu muito comigo e foi por isso que lhe telefonei. Acho que ninguém conhece esta história. Nunca a confidenciei a ninguém e creio que ela também nunca tenha contado para ninguém.
Novamente silenciou. Pareceu-me que aguardava um pronunciamento meu. A amizade minha com Pedro era bem antiga, justificava o desabafo. O fato de ser eu mais velho deve ter contribuído. O que poderia eu dizer? Como deveria me manifestar? Disse-lhe, inicialmente, que agradecia a confiança e que ao mesmo tempo me preocupava o fato de ter ouvido o relato. As mulheres não são de guardar segredos. Que, da mesma maneira que falara comigo, certamente alguma amiga da moça conhecia a história na versão dela. Com o meu sigilo, certamente ele poderia contar. Fiz uma pausa e perguntei o que pretendia, além do desabafo, com aquela surpreendente confidência? Falou-me:
- Não consigo entender a gravidez. Aceitaria com facilidade que ela se separasse, que me procurasse, insistisse que eu a assumisse, ameaçasse escândalo e coisas parecidas. A total indiferença por parte dela durante esses dez meses já não absorvi direito. Parecia me querer muito, desistiu muito fácil. Sei bem da indiferença dela em relação ao marido. Quando nos conhecemos, estava para pedir a separação. Digo estava por saber que só ela queria a separação. O marido não. Acho que seria capaz de qualquer coisa para manter Emília ao seu lado. Eu estou falando de qualquer coisa, entende? Até fingir não saber do nosso caso. Ela não, quando começamos, estavam já há um tempo enorme dormindo separados. Ele dormia na sala. A justificativa era o menino, tinha medo, queria dormir com a mãe. Assim ela se livrava de contato maior com o marido. De repente, essa gravidez. Não consigo ver o menor sentido.
Em resposta, meio brincando mas falando sério, levantei a hipótese de ter surgido outro Pedro neste intervalo de tempo, um com menos escrúpulos e que tenha resolvido lhe dar a filha desejada.
Pedro argumentou: - Não acredito. Embora saiba que ela tenha conhecido muitos homens, depois que se casou foi fiel até me conhecer. Fui uma maneira que ela arranjou para tentar manter o casamento, manter a família. Ela é uma mulher séria, apenas de sexualidade exacerbada e que, ao se render ao meu insistente cerco, se apaixonou por mim.
Não havia mais ninguém no bar. O garçom, sem que o chamássemos, se aproximou e nos perguntou se queríamos mais alguma coisa. Já era tarde. Queriam fechar o bar. Pedimos a conta.
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O segundo filho também foi de parto normal. Pouco depois do nascimento, Pedro encontrou-se casualmente com Luiz Carlos que o convidou insistentemente:
-Vamos lá em casa, quero que você conheça minha filha. 
Quando chegaram na casa, Emília estava na varanda. Parecia que estava esperando. Foi surpreendido com a recepção:
- Olá Pedro! Há quanto tempo!Você sumiu. Temos sentido a sua falta. Você ainda não viu a minha filha. Venha conhecê-la.
Pedro entrou, foi levado ao quarto do casal onde estava o berço com a recém nascido. Essa, também, a cara do pai. Falaram amenidades e Pedro, incomodado com a situação, desejou felicidades a recém-nascida, alegou compromisso, disse que posteriormente voltaria para  trazer um presente e se foi.
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Quando Pedro me contou a visita , percebi que ficou feliz ao constatar que a criança era parecida com o pai. Com isto eliminou-se a minha hipótese, a do surgimento de um outro Pedro. Algum tempo depois, vi Emília na rua com a filha menor. Já estava andando. Quando comentei com Pedro, confidenciou-me:
- Que fique entre nós; Emília e eu reatamos.
Os anos iam passando e volta e meia eu perguntava por Emília e Pedro respondia:
- Continuamos nos encontrando. Agora, mais raramente, mas, volta e meia, saimos juntos. 
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Alguns anos depois, soube que Emília e Luiz Carlos iam fazer uma festança para comemorar a Bodas de Prata. A festa estava programada para o mais importante clube da cidade. Missa e depois jantar no clube. Fui convidado mesmo sem ter maiores amizades com o casal. Recebi o convite da mão do amigo Pedro. Não me perguntem o motivo do meu convite, pois não saberia explicar. Apesar de tudo o que sabia, não exitei em ir. Precisava presenciar o evento, pois não tinha a menor dúvida de que Pedro havia sido fundamental para que a data pudesse ser comemorada. 
O salão muito bem decorado e com mesas grandes para oito pessoas. Na mesa principal, na mesa do casal homenageado,  estavam, também, os dois filhos, os pais de Emília  e, totalmente a vontade, Pedro que, no momento em que olhei para a mesa, falava, gesticulava e era o centro das atenções.


COM O DEDO NO GATILHO


Quando estava saindo, a casa é de dois andares, pediu ao marido que fechasse a porta de entrada. Não queria levar o chaveiro. A porta fica em uma varanda ampla, acessada por uma escada lateral, bem visível para quem passa pela rua. O esposo disse que sim, mas deixou o fechamento da porta para depois e continuou procurando os óculos que ainda não havia encontrado. Já no andar de baixo a esposa que tem 68 anos parou e começou a colocar a coleira na cadelinha quando, de repente, em uma bobeada, a cadelinha fugiu em disparada pela rua. A senhora correu atrás da cadelinha e o portão do andar térreo também ficou aberto. Um transeunte ocasional, um desconhecido, atentou para todo o ocorrido, sobretudo para o portão e a porta, ambos abertos.

 Em seu quarto o marido, ainda procurando os óculos, resolveu levantar a cortina da janela do quarto e não deu outra. Lá estavam os óculos caído. Apanhou-o, sentou-se na cama para examina-los e convenceu-se de que estava tudo bem. Colocou os óculos no rosto. A televisão que estava ligada,  começou a apresentar reportagem sobre uma ginasta que havia sofrido acidente esquiando e estava tetraplégica. Interessou-se, deitou na cama parra assistir ao programa e esqueceu-se da porta que continuou aberta. Era uma manhã, domingo, por volta de 10 horas. O quarto da acesso, pela porta que também estava aberta, para a sala. O marido, como já se disse, no quarto, deitado, vendo TV. De repente, a cabeça de um homem aparece na porta do quarto e se recolhe rapidamente, provavelmente por ter visto o homem deitado e não saber se ele estava dormindo ou acordado e, no segundo caso, se o homem o teria visto. O marido viu a cabeça aparecendo e desaparecendo e  tomou-se de uma certeza; há um estranho dentro da sua casa. Levantou-se em silêncio e foi, pé ante pé até a porta do quarto. Constatou a sala vazia e a porta da casa, aberta, escancarada. Pensou: Pode ter se assustado e ido embora, mas pode estar acoitado na salinha aguardando algum tipo de reação minha, tipo gritar perguntando quem está aí. Se não houver reação vai achar que estou dormindo.  Vai ser uma questão de tempo, se consego apanhar a arma a tempo ou se ele vai considerar que estou dormindo antes que eu consiga me armar. Andando de costas esgueirou-se pelo corredor até o escritório onde estava o revólver. Um trinta e oito.  Com toda a calma e silêncio do mundo, abriu a gaveta, apanhou o revólver, engatilhou e caminhou, novamente pelo corredor arrastando-se pela parede, em direção a sala, com o objetivo de ver se o ladrão estava na saleta ou se havia ido embora (a porta da sala continuava aberta). Quando, de revólver na mão, estava em frente à porta do quarto, meio escondido e protegido pelo beiral da porta, viu o homem sair da saleta e caminhar em sua direção. O homem não o havia visto. Era um mulato alto, de uns 25 anos, de bermuda, com uma camisa de mangas compridas e gola rolê na cor cinza, bem desbotada.  Certamente ia olhar no quarto, pois deve ter achado, pela ausência de reação, que o homem estava dormindo. Deixou que o intruso desse mais um passo. O ladrão só o viu quando esticou os braços com as duas mãos empunhando o revólver e mirou em sua direção. Ai o ladrão entrou em pânico e, muito assustado  tentou se justificar
 -“Estou aqui procurando...”.
Foi interrompido pelo homem que, pausadamente falou:
- Vai morrer, seu ladrãozinho de merda.
Apavorado o rapaz levantou os braços e gritou: “Não, não”. Virou as costas e fugiu em desesperada disparada pela porta aberta da sala. O homem não atirou. Não quis atirar. Acho que se apiedou do descuidista que considerou um pobre infeliz. Devem ter pesado, também, os seus setenta anos e a experiência adquirida durante todo este tempo. Ficou satisfeito por não ter atirado, feliz com a sua atitude, com a maneira com a qual solucionou o problema. Caminhou lentamente para a varanda e ainda pode ver, no fim da rua, em disparada, o invasor já dobrando a esquina. Voltou para o escritório. Guardou a arma. Poderia ter atirado, estava dentro de sua casa, um revólver que conhecia muito bem e com munição nova. Certamente mataria o homem. Se tivesse ocorrido há alguns anos provavelmente teria atirado e estaria com um corpo baleado no peito, estendido no meio de sua sala. Uma bravata que certamente traria, apesar de todos os fatos que o favoreciam, problemas, os mais diversos. Por exemplo, o legista. Quantas horas, em pleno domingo levaria o legista para aparecer e autorizar a retirada do cadáver estendido no meio da sala. Quantas vezes a cena se repetiria em seus sonhos/pesadelos?
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 Pouco depois  a mulher, assustada, subiu as escadas com a cadelinha no colo. O vizinho já havia lhe contado: -“O seu marido, armado, botou um ladrão para correr que já estava dentro da casa de vocês”. O marido a encontrou na varanda. A casa já estava em normalidade. O marido falou: Já passou, não aconteceu nada. Abraçou-se ao marido e nada falaram. Entre os dois, a cadelinha.


segunda-feira, 28 de julho de 2014

O DESFILE DAS ESCOLAS DE SAMBA

                                  
O ocorrido se deu antes da construção do sambódromo, quando o desfile das Escolas de Samba era realizado na Presidente Vargas. O sonho, que há uma década vinha sendo acalentado, desta vez se tornaria realidade. Era a década de 70. Duas semanas antes, já tomara conhecimento do preço e absorvera com a “fleuma” necessária o absurdo do preço do ingresso.
A esposa achou meio para justificar: - Sim... vale pelo conforto. Lugar marcado. Afinal são doze horas de desfile e ninguém é de ferro. É pagar para ser feliz.
       
Três dias antes estavam de posse dos ingressos, o que deu certa tranquilidade: setor 23, fila Y, nº6 e nº7.
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Chegaram com duas horas de antecipação. Coisa de iniciante. A primeira impressão foi a melhor possível. O bilheteiro desejou um bom carnaval e seu auxiliar entregou-lhes uma belíssima revista que tinha como título: -“Todas as informações sobre o Desfile das Escolas de Samba”. Na arquibancada, o primeiro impacto. Os lugares ficavam à altura de um prédio de cinco andares. 


Desnecessário dizer;  foi mais fácil do que escalar uma montanha. O ingresso dava direito a trinta centímetros quadrados de uma madeira do tipo das utilizadas para andaime nas obras. Por sorte, nenhuma ponta de prego. Nas costas, as pernas e, principalmente, os joelhos dos ocupantes da fila de cima.
Pouco antes de se iniciar o desfile já tinha uma certeza. Ou se havia vendido ingressos em excesso ou a área destinada a cada um era insuficiente.
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Quando começou a passar a primeira Escola, três horas e meia depois da chegada, não sem dificuldades, encontrara e estava na fila do banheiro. Apenas dois por setor. Um para cada sexo. Em cada setor umas duas mil e quinhentas pessoas. Quando saiu do banheiro, a primeira Escola já era. A mulher, entusiasmada, quase aos gritos, o recebeu exclamando:

- Estava lindíssima. Você perdeu!

No meio do desfile da segunda Escola, o cavalheiro que estava com os joelhos em suas costas passou mal. Os sintomas eram feios. Suspeitou-se de um enfarte. Na falta de socorro oficial, resolveram utilizar um inofensivo “Sonrisal” que estava no bolso da camisa de vítima. Foi encarregado de arrumar um copo de água para dissolver o “Sonrisal”. Fizeram com que o cavalheiro engolisse a água efervescente e o deram como devidamente medicado e esquecido, deitado, em canto mais afastado. Pouquíssimo viu da segunda Escola.
       
O desfile da terceira escola também não pode ver. Cinco japoneses retardatários, em pé, discutiam com argentinos que estavam sentados nos lugares que seriam deles. A discussão, na sua frente, se arrastou por mais de meia hora e ficou feia. Foi um francês que, desfazendo o equívoco dos ingressos, acomodou as coisas.
       
Quando começou o desfile da quarta escola, um dos japoneses, justamente o que estava sentado em sua frente, por absoluta falta de espaço, colocou, sobre a cabeça, o enorme “isopor” que portava. A princípio, nada fez. Achou que era coisa temporária. A Escola já estava na metade da sua apresentação e não conseguia ver nada por causa do isopor do japonês. Tocou, então, no ombro do japonês e, por gestos, tentou informar que não estava podendo ver. Sem nada entender, evidentemente, o japonês limitou-se a sorrir e a continuar com o isopor na cabeça. Na terceira cutucada o japonês, sempre sorrindo, colocou o isopor no colo, abriu a tampa, tirou um ovo cozido com casca, deu para o reclamante, e voltou com o isopor para a cabeça dando o assunto por encerrado.
Às duas horas da madrugada, vencidos pelo desconforto e pelo cansaço, os japoneses e outros estrangeiros debandaram e as coisas, então, se acomodaram melhor. Começaram a aparecer  vendedores ambulantes. Até aquele momento, para eles também, era quase impossível o movimento. A sede era grande, mas a lembrança da fila e do estado do banheiro não lhe permitiram ousar tomar uma garrafinha de água. Limitou-se ao cafezinho, o pior e mais caro do mundo. Às oito horas da manhã, sob o castigo inclemente de um sol causticante, viram passar a Imperatriz que encerrou o desfile.
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No carro, voltando para casa, já com os olhos fechados, a mulher perguntou-lhe:  - Valeu?
Respondeu: - Sim... Sobretudo pelo constante e quase contínuo contato com Deus.
Os olhos dela se arregalaram e, como se tivesse duvidando das condições mentais do marido, indagou: 

- Como assim?
       
- Rezei quase que o tempo todo.
       
- Você tem certeza que está se sentindo bem, perguntou ela?
       
Indagou-lhe se ela não percebera como a estrutura, que suportava as arquibancadas, balançava a proporção que a platéia dançava com o passar das escolas. Disse-lhe de seu medo de uma catástrofe, com o desabamento de tudo aquilo.

- Cruzes... Nem pensei nisto.

Com um longo bocejo, com os olhos novamente fechados, perguntou: 

-Afinal, do que você gostou?
       
A resposta veio franca e imediata: 

- Da hora que acabou.


        

O TERAPEUTA SEXUAL



Homero era um homem rico. Perdão, Dr. Homero. Médico formado em Faculdade Federal. Vinha de família pobre e tornara-se médico conceituado, especialista em sexologia.  
O dia corria em normalidade, como todos os outros. A rotina de sempre; escutar os problemas sexuais dos casais. Eram quinze horas quando a  enfermeira introduziu no consultório o casal  marcado.  
Dr. Homero observou que o homem deveria ter uns 40 anos e a mulher, um pouco menos, provavelmente uns 35 anos.
Esperou que os dois se acomodassem na cadeira e perguntou, como fazia sempre na primeira consulta no início de um tratamento:  - No que posso ajudá-los?

O cliente foi direto: - Doutor Homero, o meu nome é Jamil. O nome dela é Adelaide. Adelaide acha que estamos com um problema sexual e gostaríamos da sua ajuda.

O médico, perguntou:  - E qual é o problema?

O Sr. Jamil foi categórico: - Na verdade, nem nós sabemos qual é nem se é um problema. Gostaríamos de saber se em nossa relação sexual estamos corretos, pois Adelaide não está certa disso. Gostaríamos que nos fosse permitido ter, na sua frente, uma relação sexual. O senhor nos observaria e diria se o que estamos fazendo está correto ou se estamos cometendo algum erro grave.
Embora achando a sugestão esquisita, o médico, terapeuta sexual, concordou. O casal que já estava no sofá, tirou a roupa e transou. Levaram vinte minutos para o Sr. Jamil dar o fato por encerrado e, enquanto ainda se vestiam, Jamil perguntou ao médico: - E então? O doutor acha que estamos fazendo alguma coisa errada”?

Dr. Homero respondeu: - Não, não há, com certeza absoluta, nada de errado com vocês. Podem continuar suas vidas sem nenhuma preocupação ou remorso.

O Sr. Jamil, visivelmente feliz, agradeceu ao Dr. Homero e, abraçado a Adelaide, foi embora dizendo:  - Viu, Adelaide...o doutor falou que não há nada errado, que estamos agindo certo, que não há nada com o que se preocupar.

Quatro meses depois, o casal voltou. Ao entrarem na sala, Dr. Homero os reconheceu e, sorrindo, iniciou sua rotina:

- Como vão? No que posso ajudá-los”?

O senhor Jamil, novamente tomou a frente:  - O doutor nos perdoe, mas nosso problema ainda é o mesmo. Adelaide teve uma recaída e está, novamente, insegura, em dúvida. Voltou a achar que estamos fazendo alguma coisa errada”.

Sem pedir permissão, foram se encaminhando para o sofá quando o Dr. Homero, rindo, os interrompeu:

- Não...não há necessidade de fazerem tudo novamente. Eu já os vi e já disse que vocês não estão fazendo nada errado. Está tudo certinho.

Jamil disse: - Adelaide voltou a achar que estamos fazendo alguma coisa errada.

O médico declarou, mais uma vez, que não havia nada de errado e, percebendo que o casal não estava satisfeito, perguntou: - Sr. Jamil... O que é que dona Adelaide acha que vocês estão fazem errado?


Jamil respondeu: - Bem...Adelaide sabe e sempre soube que sou casado com a Maria.  Eu sei que Adelaide é casada com o Paulo. Sempre soube e eu não ligo. Ela, no início, não queria, mas o amor...o Sr. sabe, o senhor é um médico conceituado. Quando o senhor nos garantiu que não estávamos fazendo nada de errado, a minha Adelaide concordou, aceitou e estava tudo correndo as mil maravilhas. Agora, não sei bem a razão, Adelaide está novamente preocupada, achando que há alguma coisa errada em nossa relação e eu a trouxe aqui novamente.